sábado, 5 de maio de 2012

"As fases de um amante contraditório"

“Entender-te me parece magnífico, eu sempre tão assim atraída por mistérios, tenho nas mãos o mais complicado de todos, o mais delicioso em se desvendar, o mais perigoso e absoluto. Me deleito ao prazer de lhe ler, entrar em seu íntimo e te decifrar de ponta a ponta. Há um tesouro tão rico e imenso em ti, e serei a primeira a compartilhar dele, eu espero. Percebo pelas tuas queixas, que ninguém antes te leu como eu. Que as palavras rabiscadas em ti, mais nenhum outro pode ler. Talvez fossem cegos. Porque cegos no amor, meu bem, existe aos montes, empilhados chorando desamor. Se ninguém sabe amar, como então irão ler as escrituras da vida de um amante como tu? Meros ingênuos. Não é qualquer sonhador que o faz, até me questiono se sou tão grande o suficiente para te ler assim, se meu estudo é capaz de me ajudar.
Com tantas amarguras na vida, com tantos falsos amantes em nossa trilha, percebemos que o nosso gosto por amor absoluto se perde, em um mundo cruel onde princípios e valores são distorcidos pela opinião da “maioria”. É triste sim amado, mas não devemos nos absorver desta insanidade. Seremos assim, inteiros e escrito aos rabiscos sempre, e assim acredito.
Encontro cartas minhas em que te relato. Por mais intensidade que acrescente em ti, ainda é tão pouco para te descrever. As linhas ainda são poucas para te escrever. E se choro algumas vezes é porque percebo que algumas das tuas escrituras te fizeram sofrer, e dói em mim também. Tu te perdeste em um amor covarde, se apaixonaste por uma donzela que arrancaste teu coração, mas estarei aqui se quiseres chorar. Te pouparei desta cena se me pedires.
O livro que escrevo de ti será longo, e já de ante mão lhe preparo que poucos lerão. Folhetins e fofocas alheias, querido, valem mais que a história de um amante vivido, mais ainda que a educação. Mas aqueles que te ler, saberão que em ti existiu este ser capaz de amar e de viver a vida como um são, e se perdeu a sanidade em algumas curvas da vida foi por coragem de arriscar-se.
[…]
E esta feito, meu caro. Não consigo mais escrever-te… Estas medíocres palavras não me contentam, não me satisfazem. Se queres saber o porquê, não direi, não peças. Eu bebi de ti e não posso mais te ler. Talvez eu seja um destes estúpidos amantes, sem alma e sem correção. Talvez eu seja analfabeto nessa arte e por momentos raros de lucidez te soube ler. E agora sobre efeito da paixão me tornei um completo ignorante. Mas não, obrigada, não preciso da tua ajuda, da tua mão que afunda. Eu peco por mais que isso e clamo apenas por uma dose mais forte, que me mate de verdade.
Atire sua tristeza em mim, vamos. Foi tu quem me deixaste assim. Tua história, tuas linhas me seduziram e eu nadei no mar da paixão por ti, uma loucura insana, pior que qualquer outra que já vivi. Desintegrando… Essa tua vida pobre, triste e imunda, eu devo permanecer no teu caos, me diga? Se me quiseres ficarei, mas ficarei pela metade, por muito menos que isso, e terás apenas a minha ironia.
Fui tão contraditória, vês? Maldisse daqueles cegos no amor e me tornei pior que eles.
[…]
Me desculpe querido. Perdoe-me se só sei chorar, escrever e doer. As palavras não me cabem e fogem. Perdoe-me se sou incapaz, injusto ou inútil. Por viver assim como vivo, apertadinho num canto qualquer. Desculpe por não me caber em mim, e por sofrer perante vós.
Eu preciso escapar, pelos olhos, pela boca ou pela tinta no papel. Chorar espinhos ou palavras. Mas preciso mais que de pressa escapar.
Porque tem de doer assim? Porque tem de apertar, e tende a me fazer chorar? Arranques meu coração mas não me doa, como fazes agora. Compraste para mim uma dose de veneno da qual eu bebo, e bebo. Sem pestanejar. Sabes que quero escorrer e assim me levar longe daqui. É inútil permanecer desolada, perecendo.
Ah! Coração, inútil se faz o seu clamor, em meio ao caos sua voz mal ouvida é. Seu choro, sua pena, e desespero, tão baixa a voz, tão pequenino som de socorro.
Te peço que não desista. Te clamo que permaneça em busca do findar dessa dor. Que meu punhal seja apenas objeto esquecido sob a mesa, e que dele não faça o ponto final de tanta angústia."

Natália Bap

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