sexta-feira, 15 de junho de 2012

E quando eu puder ser...

“Escrever é o que eu tenho de mais real na vida, de mais inteiro e absoluto. Não uso palavras bonitas quando não me convém, não sou culta, pouco menos sábia. Mas escrevo de peito farto, de dores úmidas, de olhos que choram. Eu vivo intensamente cada dor que nasce em pranto, em cada vão que a alegria nasce. Não me nomeei, não me encaixo e defino. Sou errada, e cada adjetivo que me imponho é mentira, passageiro demais para tornar-se real. Não sei me encaixar nas coisas, não sei viver na vida de ninguém, sou sensível em demasia, mas também ao longo de tudo isso aprendi ser fria.
Quando o belo se perde, a vida se desvanece, a dúvida encabula, e a tristeza paira sobre os pensamentos mais sútis de voltar a sorrir. O pingar da chuva lá fora faz arder meu peito, que amansa até se conter fechado no escuro. A obscuridade dos meus deleites assusta quem de passagem entra em mim. Ninguém, por muito tempo, se atura, se aguenta a permanecer. É pesado o que levo, mas não cabe a ninguém saber, não há alguém para ouvir mesmo que fosse cabível. Eu continuo no caos, anestesiada, muda, surda e quase morta. E no vão entre o que fui e sou agora, existe um parágrafo inteiro de vírgulas, sem letras, só solidão.
Mas o que de verdadeiro cabe a mim se não a melancolia? A mansidão das coisas boas, se perdendo no choque infame das coisas más. Oh cruel destino, com tantos corpos, tantos meninos, escolher logo a mim ser frio e triste assim? Logo este ser magnificamente isano, compulsivo e sofredor. Não basta nascer escrito com tinta de dor, ainda a vida só traz amarguras. A garganta se fecha, e não consigo engolir as palavras não ditas, as letras não escritas. Logo volto ao obvio, ao clichê. Será esta a hora de findar? De começar outro parágrafo então? Deixo guardado mais este verso, este artigo. Se um dia me couber, eu o termino (…)”
Natália Bap

Mares de outro amor.

“Pedi a maré que me levasse a outros mares,
onde pudesse navegar sem naufrágio, apenas sorte
onde a imensidão coubesse no meu peito gigante.
Pedi que me encharcasse a vida de prosa
que não me afogasse no ócio de te ver formosa
e não poder sorrir.
Pedi a maré que me levasse,
pescarei em outras águas, amor que não chora,
amor que rema mesmo com canoa furada.
Pescarei amor, e afogarei solidão.”
 
Natália Bap

sábado, 5 de maio de 2012

"As fases de um amante contraditório"

“Entender-te me parece magnífico, eu sempre tão assim atraída por mistérios, tenho nas mãos o mais complicado de todos, o mais delicioso em se desvendar, o mais perigoso e absoluto. Me deleito ao prazer de lhe ler, entrar em seu íntimo e te decifrar de ponta a ponta. Há um tesouro tão rico e imenso em ti, e serei a primeira a compartilhar dele, eu espero. Percebo pelas tuas queixas, que ninguém antes te leu como eu. Que as palavras rabiscadas em ti, mais nenhum outro pode ler. Talvez fossem cegos. Porque cegos no amor, meu bem, existe aos montes, empilhados chorando desamor. Se ninguém sabe amar, como então irão ler as escrituras da vida de um amante como tu? Meros ingênuos. Não é qualquer sonhador que o faz, até me questiono se sou tão grande o suficiente para te ler assim, se meu estudo é capaz de me ajudar.
Com tantas amarguras na vida, com tantos falsos amantes em nossa trilha, percebemos que o nosso gosto por amor absoluto se perde, em um mundo cruel onde princípios e valores são distorcidos pela opinião da “maioria”. É triste sim amado, mas não devemos nos absorver desta insanidade. Seremos assim, inteiros e escrito aos rabiscos sempre, e assim acredito.
Encontro cartas minhas em que te relato. Por mais intensidade que acrescente em ti, ainda é tão pouco para te descrever. As linhas ainda são poucas para te escrever. E se choro algumas vezes é porque percebo que algumas das tuas escrituras te fizeram sofrer, e dói em mim também. Tu te perdeste em um amor covarde, se apaixonaste por uma donzela que arrancaste teu coração, mas estarei aqui se quiseres chorar. Te pouparei desta cena se me pedires.
O livro que escrevo de ti será longo, e já de ante mão lhe preparo que poucos lerão. Folhetins e fofocas alheias, querido, valem mais que a história de um amante vivido, mais ainda que a educação. Mas aqueles que te ler, saberão que em ti existiu este ser capaz de amar e de viver a vida como um são, e se perdeu a sanidade em algumas curvas da vida foi por coragem de arriscar-se.
[…]
E esta feito, meu caro. Não consigo mais escrever-te… Estas medíocres palavras não me contentam, não me satisfazem. Se queres saber o porquê, não direi, não peças. Eu bebi de ti e não posso mais te ler. Talvez eu seja um destes estúpidos amantes, sem alma e sem correção. Talvez eu seja analfabeto nessa arte e por momentos raros de lucidez te soube ler. E agora sobre efeito da paixão me tornei um completo ignorante. Mas não, obrigada, não preciso da tua ajuda, da tua mão que afunda. Eu peco por mais que isso e clamo apenas por uma dose mais forte, que me mate de verdade.
Atire sua tristeza em mim, vamos. Foi tu quem me deixaste assim. Tua história, tuas linhas me seduziram e eu nadei no mar da paixão por ti, uma loucura insana, pior que qualquer outra que já vivi. Desintegrando… Essa tua vida pobre, triste e imunda, eu devo permanecer no teu caos, me diga? Se me quiseres ficarei, mas ficarei pela metade, por muito menos que isso, e terás apenas a minha ironia.
Fui tão contraditória, vês? Maldisse daqueles cegos no amor e me tornei pior que eles.
[…]
Me desculpe querido. Perdoe-me se só sei chorar, escrever e doer. As palavras não me cabem e fogem. Perdoe-me se sou incapaz, injusto ou inútil. Por viver assim como vivo, apertadinho num canto qualquer. Desculpe por não me caber em mim, e por sofrer perante vós.
Eu preciso escapar, pelos olhos, pela boca ou pela tinta no papel. Chorar espinhos ou palavras. Mas preciso mais que de pressa escapar.
Porque tem de doer assim? Porque tem de apertar, e tende a me fazer chorar? Arranques meu coração mas não me doa, como fazes agora. Compraste para mim uma dose de veneno da qual eu bebo, e bebo. Sem pestanejar. Sabes que quero escorrer e assim me levar longe daqui. É inútil permanecer desolada, perecendo.
Ah! Coração, inútil se faz o seu clamor, em meio ao caos sua voz mal ouvida é. Seu choro, sua pena, e desespero, tão baixa a voz, tão pequenino som de socorro.
Te peço que não desista. Te clamo que permaneça em busca do findar dessa dor. Que meu punhal seja apenas objeto esquecido sob a mesa, e que dele não faça o ponto final de tanta angústia."

Natália Bap

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

E um dia eu fui rochedo.

“Eu era tanto, um gigante amontoado de pensamentos, desejos e sensações. Eu era tudo aquilo que os sonhos permitem ser. A princesa do mar de sentimentos, num instante me fazia navegar na ansiedade de absorver aquilo que me fizesse rainha. Minha escola da vida era outra, aprendi a crescer do grão, da semente da flor e brotar sem raiz. Não pertencia a chão nenhum, por mais firme que fosse a terra.
Eu era tão enorme em miúdos, tão bela no absurdo, e sensível demais aos descasos. Era cuidada e me fazia sóbria diante do amor. Era bagunça, de coisas jeitosas, sinceras. Não findava, eterna sonhava ser, e talvez seria, mas apenas talvez. Hoje estrada sem rumo, esburacada tornei, pássaros sem asas. Vazio repleto de espaços em branco, e o que tendia ser calmaria se torna revolta tempestade. E chove sem parar.
As lágrimas escorrem por entre os fios de esperança arrebentados. O pulsar de vida se baseia na morte. As metáforas tomam sentido literal. E quando choro em palavras nem mesmo eu leio. Choramos, eu, meu coração, meu corpo, minhas palavras. Choramos por que não há mais condição de sorrir, porque a desilusão se encontra por aqui. E meus laços tornaram se nó que me prendem ao desmazelo das conquistas fracassadas.
Vejam só toda minha batalha reduzida a pó, a margem da esperança, logo cá foi morrer. Mas se fosse guerreiro lutaria até o findar. Já não sei que caminhos tomar, que rédeas cortar. Mas eu choro, e se alaga o peito, a planta morre e eu me afogo no desespero de remar contra a corrente. E na enxurrada de dor e falta, descanso meu coração aflito.
E agora escrevo palavras cheias de dor, de sofrimento escaldante. De absurdos que não desejaria sentir. Estou tão gélida. E estando eu assim tão fraca, não conseguem enxergar o quão forte fui um dia, atravessava as muralhas só com um olhar, derrotava a morte sem que pudesse me tomar. Hoje bebo dela, e me embebedo, escorre pela boca o amargo que ela causa.
E numa folha de papel escrevo: “Mas se fosse para ficar, eu ficaria de todo jeito. Já não posso seguir com este coração pesado, você sabe o que carrego. Então eu parto, mas não para poder voltar, apenas por ir e ali ficar.” Agora sabem que parti, e não mais voltarei. Fui me buscar em outro canto pra ver se me lembro de como renascer. Fui ser rocha, ou apenas fingir.”

-Natália Bap

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

E quem diria, mas esta sou eu.


“Mas e se eu não souber o que dizer? E se eu gaguejar?
 As palavras são tão pouco quando se trata de toda essa imensidão. Escreveria um livro, e ainda seria miúdos, migalhas de sentimentos. Me exprimi para caber neste pequeno verso, sempre fui tão gigante em coração, não sei como coube. Mas porque sempre guardei tudo em mim, bens ou maus.
Como descrever? Minha linguagem tão limitada a dor, flor e amor… Rabisquei em todo o caderno e nada posso aproveitar. Se estas perguntas aqui fossem respondidas…
Talvez a mágica da escrita se vá quando precisamos chorar em palavras. Ou não sabem nos aproveitar quando queremos ser amadas. Desenhar nossas curvas em letras cheias, marcadas de nós.
Mas se for falar de mim, não terei rimas verdadeiras. Nunca soube ser inteira e sã, nunca soube ser real. E escrevo porque não sei dizer. Mas digo ao não saber escrever. E cantarolo quando não sei ser. E quando sei, apenas sou. E é difícil ser sol e ter de se pôr, e ser noite e ter de amanhecer. Ou ainda ser criança e ter de crescer. Mas pior de tudo é ser poeta e não saber amar, ter amor e não entregar.
Me sentir satisfeita espremendo tudo é incabível. Me encaixar no vazio, me encharcar no seco. Vivo compulsiva para sentir os olhos brilharem mais uma vez. Escrever mesmo com o peito doendo, relembrar e cutucar cada ferida, só para saber se ainda machuca. Só para parar de doer.
Mas quando tornar-me poeta, escreverei versos e poemas, onde em cada vírgula me sentirás, onde serei inteira num só ponto de exclamação. A profundeza das palavras bonitas caberá em cada espaço do meu cartão. E eu aprenderei a caber em qualquer sentimento, em qualquer escrita. E quem me ler, este será sortudo, receberá todo sentimento marcado na caligrafia, na tinta ainda fresca.
E quem sabe eu não aprenda a terminar? Colocar alguns pontos finais, por fim em alguns mistérios ou usar deles em mais linhas.
Mas as palavras continuam sendo tão pouco para todo essa gigantesca menina, que aprende a recitar. E quem diria, mas esta sou eu.”

Natália Bap

Era amor, e ainda é.



“Era imenso. Imenso e devastador. Era amor. Pulsava, encharcava, lambuzava as almas de quem se permitia senti-lo. Era confuso, inteiro, maluco. Acertava em cheio os corações, formava laços, atava nós, juntava nós. Encaixava fragmentos, inventava, coloria, espelhava. Exaltava e giganteava os mais nobres sabores, invadia a vida e arrancava as dores. Se fazia doente para ser cuidado, morria por um beijo ser despertado. Era amor, destes que querem comprar, destes que não dá para negar. Era amor, e por ser, eternizava. Não adiantava querer ser de outro, se pertenciam e só. Mesmo que tornassem pó, o vento os carregaria e tornariam-se inteiros em qualquer outro canto. Estava ali, onde alojam-se amores, num pequeno pedaço de flor, que no peito bate imitando dor. Ah! É amor, e como é. Há quem negue, pois nunca soube sentir, nunca soube vivê-lo. E há quem o queira, quem o relembre, e deseje sentir outra vez. É pequeno, é grande, é lúcido, é amante. Afável, nos braços se aquece, baila e baila, mas não adormece. Nunca irá, muito menos morrer. Não é rancor, é amor. Meu bem, é nosso.  É imenso querido, só pode ser amor. Era amor, e ainda é.”

Natália Bap

O valsante.

 ”Era tão bonita a forma como a buscava a beleza, lançava seus olhos profundos em cantos que jamais qualquer pessoa que não tivesse sua simplicidade e calmaria, pudesse enxergar. Embalava seus sonhos a cada passo da valsa, que bailava com seus dois pés esquerdos; e se fazia notório aos que soubessem enxergar de que o moço não sabia que em ti havia mais do que quisesse encontrar. As moças não lhe davam atenção, mas isso não lhe era importante, não agora, pois permanecia inerte em sua caçada. Fazia adormecer teu coração e de mansinho encontrava vestígio de si em cada tropeço da dança. E as feridas do velho e maldito amor, iam se curando, tornando-se cicatrizes em teu corpo, lar de poucas palavras e grandes desavenças emocionais. Alguns sentimentos adorariam tomá-lo, trazê-lo ao delírio, mas o moço estava distante, revirando cada pedaço em busca de algo que lhe aparentasse beleza e o fizesse sorrir. Seus devaneios eram sombrios, e desvenda-lo era suicídio. E novamente pensou em se arriar ao sono, antes que pausasse a dança.”

Natália Bap